Fábula #11
Abriu o email e sorriu. Conforme prometida, lá estava a mensagem que ele esperava e que havia sido prometida por ela no dia anterior. Não reconheceu o email, mas não foi isso que o fez esmorecer.
"Às onze da manhã no motel, quarto 19. Podemos desmarcar até uma hora antes, por isso liga-me para o 9xxxxxxxx se acontecer aguma coisa". Não sabia que número era aquele. Só podia ser ela.
Era exactamente aquilo que ele queria. Apanhá-la em flagrante. Há meses que desconfiava que ela o traía. Criou uma conta falsa na aplicação de encontros, encontrou-a, fez-se passar por um médico recém lincenciado e seduziu tranquilamente a sua esposa em menos de duas semanas, enviando-lhe emails porcos e algumas fotografias que ia sacando da net.
Ela nunca respondia com imagens suas, mas sim com descrições excessivamente pormenorizadas do que essas mensagens e imagens lhe provocavam. Nem parecia dela aquele tipo de linguajar. Já estava com ela há mais de dez anos e nunca a ouvira sequer a dizer palavrões, excepto na ocasional topada em algum móvel da sala ou do quarto com as luzes apagadas. O sexo, cada vez menos frequente, era constantemente iniciado por ele e ela ficava de pernas abertas a respirar fundo enquanto ele a penetrava sem grande ânimo até se vir. Depois ia à casa de banho, lavava-se e deitava-se encostada a ele, dando-lhe um beijo rápido de boas noites antes de adomecer rapidamente.
Às 10:30, falou com o patrão, pediu-lhe para sair alegando uma súbita dor de dentes e conduziu o até ao motel combinado. Ao fim de 15 anos de lealdade na empresa, não lhe faziam muitas perguntas. Era um homem de sorte, trabalhador e bom chefe de família. Aparentemente, também um valente corno. Mas hoje isso ia terminar. Ia fotografar a sua entrada no motel, ia mandar-lhe uma carta do advogado a pedir o divórcio e a exigir uma compensação por danos morais tão alta que ela ia dar-lhe a casa sem mais questões.
Chegou ao hotel 10 minutos depois, no carro da empresa. Estacionou atrás de outro carro e ficou à espera. Fumou um cigarro, depois outro, depois saiu do carro, às 11:05 verificou o email. "Já cheguei!" Mas como, se não vira nenhum carro a entrar? Dirigiu-se à porta do motel, tocou à campainha, disse o nome da reserva e o número do quarto e entrou. Na garagem do quarto 19 estava um carro que não conhecia. "Que estranho".
Saiu do carro, subiu a escada, abriu a porta e encontrou uma senhora que não reconheceu sentada na cama. "Quem é você?" perguntou. "Inspectora Clara Vidal, Polícia Judiciária." Da casa de banho, saiu um elemento fardado e atrás dele, a sua mulher, em estado de choque...